Em nossas pesquisas realizadas no mundo da internet sobre assuntos de rádios comunitárias, encontramos muitas noticias boas, mas, sempre tem uma que nos chama a atenção. A seguir reproduziremos um artigo escrito por um jornalista que assina como rhatto no portal http://www.radiolivre.org/, que descreve sobre o modelo de rádios comunitárias em aldeias indígenas.
"Aproveitando a ocasião do "Dia do Índio", segue minha pequena contribuição. Em recente viagem ao Mato Grosso do Sul para acompanhar a treta causada pelas retomadas de terras pelos índios na região de Iguatemi, estive na emissora de rádio Awaeté Mbareté, localizada na aldeia Bororó, dentro da reserva de Dourados, no sul do estado. Concebida para divulgar campanhas sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis e medicina preventiva, foi montada numa parceria entre o Ministério da Saúde, a Universidade de Goiânia e a Prefeitura de Dourados.
Transmitindo em 25W/FM com uma antena fixa no topo de uma árvore, a rádio tem a programação inteiramente tocada pelos indígenas, é quase inteiramente veiculada em Guarani e não promove as campanhas para a qual foi destinada e sim músicas, cultura e assuntos de e para os índios. Como exemplo de sua relação com a sociedade envolvente, houve um político que, em época de eleição, passou na rádio para veicular sua campanha. Entre as missivas de "Votem em mim" e etc por parte do candidato, os índios troçavam em Guarani e o ilustre cidadão ainda acreditou que estava sendo elogiado.
Desde o começo desse projeto, desenvolvido por essa sociedade envolvente, foi utilizado um modelo de rádio comunitária cujo conceito de comunidade não é o mesmo que os indígenas daquela região partilham entre si. Quando fala-se em comunitária, normalmente entende-se que trata de toda a vizinhança de uma dada região. Para os indígenas, sua comunidade é o grupo de pessoas com as quais eles se relacionam, podendo existir pessoas dentro de uma mesma aldeia que não fazem parte de uma certa comunidade lá existente.
Aplicar essa idéia de comunidade - no sentido do "homem branco" - numa reserva indígena beneficia apenas poucos grupos familiares, o que realmente está acontecendo com a Rádio Awaeté Mbareté, para a perplexidade de alguns colaboradores do projeto, que em nenhum momento recebeu a consultoria de um atropólogo. O estúdio encontra-se na casa de um dos integrantes da comunidade, o que já inviabiliza a participação de índios de outras comunidades. Para que não houvesse monopólio, seria preciso destinar uma emissora para cada comunidade da aldeia. Isso não é uma crítica ao sistema indígena, que tem seu modo próprio de ser, mas sim à vontade daqueles que conceberam um projeto quadrado para ser encaixado num círculo e funcionar como um triângulo. Para os índios, é perfeitamente compreensível que esse tipo de coisa aconteça, é algo normal.
Em segundo lugar, o projeto demonstrou por si próprio que não é possível - e para mim não faz sentido - existir uma orientação do conteúdo externa à comunidade indígena. Segundo antropólogos com os quais conversei, isso só seria possível se alguém pagasse a um índio por isso. Além disso, esse tipo de iniciativa pende à tentativa de assimilação desse povo à civilização ou então visa "resgatar seu modo de vida original, antes do contato com o europeu". Ambos objetivos desconsideram que cabe aos próprios indígenas definirem sua cultura e escolherem o que da nossa querem assimilar. Tudo bem, campanhas sobre DST e alcoolismo não chegam a ser imposições de cultura, mas esperar que o índia divulgue tal como a "homem branco" faz é.
Um terceiro ponto importante diz respeito ao equipamento e à falta de manutenção. O transmissor encontra-se em boas condições, mas o cabo da antena estava mal esticado e enrolado como uma mangueira, o que claramente causa uma perda na potência da transmissão. Para tocar música utilizam um computador de última geração rodando Windows - até lá o monopólio já chegou -, apenas para tocar cds ou algumas mp3. Rodando vírgula, quando chegamos no local a rádio estava parada porque o computador não funcionava direito. Em compensação, não havia nenhum toca cds ou toca-fitas. Resultado: o projeto utiliza um equipamento que custa o mesmo que um transmissor e que necessita de muita manutenção para desempenhar uma tarefa que um equipamento mais robusto e 80% mais barato poderia efetuar. Tentamos em vão instalar o Linux Kurumin naquela máquina - meu cd de bolso estava com defeito, fica para a próxima. Fora isso, há problemas financeiros que a rádio vem passando com relação à conta de luz: o dono da casa quer receber pelo que a rádio consome.
Por último vem o questionamento do motivo de existirem rádios em reservas indígenas. Uma iniciativa que vise a divulgação de campanhas deve antes de mais nada saber que os povos de língua guarani tem uma tradição oral muito forte, que muitas vezes torna desnecessário o aparato radiofônico para transmitir informações. Se o objetivo for ajudar os indígenas em sua organização, a mesma oralidade mostra-se igualmente capaz como agente organizador e uma rádio seria útil apenas se pudesse vencer grandes distâncias - mais de 100 km, por exemplo - de modo a alcançar outras reservas indígenas. Nisso talvez apenas uma rádio AM poderia ser eficiente. Mesmo assim, a frequência com que ocorrem os encontros "regionais" - os Ivy Katu - mostram uma capacidade de organização que dispensa o rádio. O ganho real de uma rádio numa comunidade indígena está na auto-estima do índio que é fortalecida com a expansão da sua capacidade de se comunicar e propagar sua cultura tanto como o "homem branco" faz.
Enfim, essa rádio pareceu-me obra de pessoas que vivem de redigir projetos e submetê-los a grandes fundações, empresas, ongs ou mesmo ao governo, objetivando não fazer bons projetos que funcionem, mas apenas viver de projeto em projeto, sem nenhum comprometimento com o projeto depois que o relatório é enviado ao financiador. Espero que os próximos trabalhos de rádio junto a grupos indígenas não sigam este exemplo." veja o video em http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2004/02/274751.shtml
Enviado por rhatto e publicado no site CMI-BRASIL em ter, 20/04/2004 - 00:38.
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